domingo, 31 de julho de 2016

Revista do Ônibus Pe - Vol 01 Julho 2016. Modelo Gabriela fez a história no Brasil

HISTÓRIA: CAIO Gabriela – Um simpático divisor de águas

Gabriela
O Caio Gabriela foi sem dúvida um dos grandes sucessos da indústria nacional de ônibus. Em grades sistemas, como da Capital Paulista, a quantidade de Caio Gabriela era tão grande que o veículo se tornava parte da paisagem e do dia a dia das pessoas. Os ônibus estavam nos momentos mais marcantes e curiosos. Veja, por exemplo, o cartaz do filme Tristeza do Jeca, de Mazzaropi no cinema e bem em frente, os Caio Gabriela passando
Desde versões simples parecidas com caminhão para o mercado latino americano até ser o marco inicial do ônibus articulado brasileiro e do BRT: o Gabrielinha tem muita história
ADAMO BAZANI
O primeiro ônibus articulado do país. O primeiro trólebus nacional que daria base à segunda geração de veículos elétricos fabricados após seis anos de estagnação. Responsável por consolidar uma nova tendência de conforto e design na indústria de ônibus brasileira.  Personagem atuante no primeiro BRT  – sistema de vias segregadas para veículos de transporte coletivos – do mundo.
Uma carroceria que incorporava a configuração de ônibus de três eixos para o mercado urbano, o que era raro em sua época. Mas ao mesmo tempo, uma carroceria que também poderia ter versões bem rústicas com a dianteira de caminhões, se parecendo com uma jardineira.
Um modelo que chegou a compor praticamente frotas de cidades inteiras e, de quebra, conferiu à sua fabricante a liderança definitiva do setor de carrocerias urbanas.
Ufa! Com um currículo deste, não é exagero nenhum dizer que o modelo Gabriela, da fabricante de carrocerias CAIO, foi um divisor de águas no mercado de ônibus brasileiro, e que sua concepção trouxe uma cultura de fabricação de veículos de transportes coletivos, com elementos até hoje adotados pelas fabricantes do Brasil, que se encontram entre as mais respeitadas do mundo. Um dos exemplos é privilegiar a visibilidade para os passageiros e motorista.
Apesar de alguns modelos já nos anos 1960 adotarem linhas mais retas no design, carrocerias mais limpas de detalhes e um projeto que privilegiasse melhor a circulação interna de passageiros, com maior conforto e visibilidade por áreas envidraçadas maiores, esses conceitos só se tornaram palavras de ordem no mercado de ônibus urbanos após o lançamento deste simpático modelo.
Gabriela
Renovações de frotas eram realizadas com grandes quantidades de Caio Gabriela, que chegou a deter 44% de todo o mercado de ônibus no primeiro ano de comercialização da segunda versão.
Mesmo quem não conhece muito de ônibus, ou não se liga muito no assunto, pode se lembrar desse nome, ou, pelo menos, do modelo do ônibus ao ver uma foto antiga. Isso porque, devido às suas inovações, de acordo com a edição de uma revista especializada, de 1979, Transporte Moderno, o CAIO Gabriela ganhava a simpatia não só de frotistas, mas também da população. E quando era pedido que alguém pensasse num produto de utilidade pública da indústria nacional automobilística, logo vinha o velho “Gabrielinha”, como era chamado à cabeça.
O Gabriela foi lançado em 1974. Chamada pelo mercado de Caio Gabriela I, a primeira versão do Gabriela tinha elementos do modelo antecessor, o Bela Vista, como as janelas laterais inclinadas e traseira em ângulo, arredondada e vigia traseiro bipartido.
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Gabriela
Primeira versão do Caio Gabriela, de 1974, ainda mantinha características do antecessor Bela Vista, como janelas inclinadas e vigia traseiro bipartido. No Gabriela II, de 1976, as linhas eram mais retas e o vigia traseiro único.
Pouco tempo depois, em 1976, no Salão do Automóvel, viria uma nova versão de Gabriela. Chamada pelo mercado de Caio Gabriela II, que começou a ganhar um impulso notório no mercado a partir de 1977.
As janelas eram retas, as lanternas traseiras verticais e o vigia traseiro era inteiriço.
Realmente, os funcionários de empresas de ônibus e operários do setor mais antigos não têm dúvidas em dizer que foi uma sensação para a época. O modelo era harmonioso para os padrões da ocasião. O Gabriela II tinha linhas mais retas, mas não era necessariamente quadradão.
Em 1977, de acordo com dados da Caio, foram vendidos em torno de 3 mil 700 unidades da versão básica do Gabriela II. Um número impressionante para a época, cujas cidades ainda estavam crescendo. As cerca de 3 mil e 700 unidades do Gabriela representaram 44% dos 8 mil 886 carrocerias der ônibus de todos os modelos e marcas fabricadas naquele ano. Isto é, apenas um modelo respondeu por quase metade da produção de ônibus.
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Algumas primeiras unidades do CAIO Gabriela II ainda saíam com os famosos volantões brancos, mas a maior parte da alavanca de câmbio já era reta, sem ser angulada, do tipo popularmente chamado de “coça-sovaco”. Uma inovação do conjunto do chassi, motor e transmissão que marcou o Gabriela II.
Aliás, inovação da indústria é com esse modelo mesmo. A demanda por transportes crescia de maneira assustadora a partir dos anos 1960. As reivindicações por sistemas de ônibus mais modernos e confortáveis ganhavam coro até na mídia, que fazia reportagens e expunha a carência por transportes mais dignos eficientes para atender a uma quantidade cada vez maior de passageiros, especialmente nos centros urbanos. A indústria se desenvolvia e o perfil econômico do país, que mudava para urbano de maneira mais acelerada, mudava a forma pela qual se davam os deslocamentos.
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Caio não poupava esforços para apresentar o Caio Gabriela ao mercado da melhor forma. Nos catálogos e propagandas, tanto o Caio Gabriela I como o Caio Gabriela II apreciam com acessórios como calotas e iluminação auxiliar.
Caio não poupava esforços para apresentar o Caio Gabriela ao mercado da melhor forma. Nos catálogos e propagandas, tanto o Caio Gabriela I como o Caio Gabriela II apreciam com acessórios como calotas e iluminação auxiliar.
Algumas linhas na cidade de São Paulo e em outras capitais, assim como em suas regiões metropolitanas, não poderiam mais ser atendidas pelos velhos ônibus, com baixa capacidade e nível inferior de conforto.
Dizer que o Gabriela foi o ônibus mais confortável da indústria brasileira e o ideal para todas as épocas, aí sim, é exagero. Mas ele representou uma grande evolução na concepção de carrocerias. Sua disposição interna de bancos e equipamentos, por exemplo, facilitava e muito a circulação de passageiros e sua posição para dirigir, apesar ainda das direções de queixo duro (pesadas, sem serem hidráulicas) na maioria dos chassis, já era bem melhor que modelos mais antigos. Nada que se comparasse a um Coach norte-americano dos anos 1940, mas, para nossa indústria, já era um avanço importante.
Como ônibus não é só carroceria, uma peça única (à exceção dos monoblocos), mas todo um conjunto, ou seja, chassi, motor, sistemas de transmissão, suspensão etc., o CAIO Gabriela acompanhava, se adaptava e colaborava para o desenvolvimento de novas tecnologias que possibilitariam que os transportes brasileiros começassem a oferecer o conforto e a segurança que o passageiro merece, a comodidade que o funcionário precisa e a rentabilidade que o empresário necessita para continuar viável seu negócio.
E o querido Gabrielinha foi junto com a indústria de diversos componentes de ônibus pioneiro em muitas coisas.
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O CAIO Gabriela fez parte das inovações que começavam a surgir com mais ritmo na indústria nacional. Ele foi o primeiro ônibus articulado do Brasil, sobre chassi Scania, já trazia direção hidráulica e sistemas mais modernos de amortecimento para aumentar o conforto de usuários e funcionários.
O Gabriela foi, por exemplo, o modelo a encarroçar o primeiro ônibus articulado do país, no ano de 1978. O veículo foi montado sobre chassi Scania B 111, motor DS 11, turbo alimentado, de 296 cavalos de potência. A capacidade era para 180 passageiros (tudo o que alguns serviços de alta demanda precisavam na época). Além disso, o primeiro articulado tinha caixa manual de seis marchas (5 para frente e uma ré), com opção para a instalação de caixa automática. O sistema de freios tinha circuito independente para cada um dos 3 eixos. A direção era hidráulica, e a articulação Recrusul-Schenk era apoiada sobre chapa de aço no chassi dianteiro. A ligação com o carro traseiro era feita com sistema emborrachado para absorver impactos e dar mais conforto a usuários e funcionários. O peso vazio do articulado Gabriela Scania era de 13 toneladas, e o bruto de 30 toneladas. A carroceria media 18,15 metros. Apesar das dimensões, em comparação aos veículos convencionais, o Gabriela/Scania articulado não era muito gastão. Fazia 2,6 quilômetros por litro de diesel, contra 3 quilômetros por litro de rendimento dos demais veículos de transporte público. A vida útil estimada, de 15 anos, contra 10 dos ônibus comuns, também era outro diferencial. A primeira empresa a operá-lo foi a Transurb, de Goiânia, com 4 carros articulados.
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Trolebus Caio Gabriela. Foi o início de uma nova geração de ônibus elétricos, depois de estagnação da indústria no segmento de trólebus. Ararquara, no interior de São Paulo, recebeu as unidades. Carroceria tinha conceito de monobloco.
Outro fato importante da história do Gabriela foi que o modelo marcou o ressurgimento da produção nacional de trólebus nos anos 1970, dando o primeiro passo para a consolidação da segunda geração de trólebus no Brasil. Na primeira grande decadência dos sistemas de trólebus brasileiros, com o crescimento da indústria automobilística e priorização das políticas para o transporte individual sobre o coletivo, o Brasil NÃO FABRICOU NENHUM TRÓLEBUS entre os anos 1970 e 1976.
Em 1977, no entanto, a CTA – Companhia de Trólebus Araraquara – encomendou e recebeu 5 unidades novas para o sistema local. Tratava-se de um CAIO Gabriela sobre plataforma Massari com equipamento elétrico Villares e componentes mecânicos da FNM/Fiat Diesel. A carroceria tinha o conceito monobloco integrada com o chassi. O comprimento era de 12 metros, havia três portas largas e a capacidade era para 106 passageiros, entre sentados e em pé.
O controle de tração elétrica era pneumático, e a suspensão do tipo mista. O conforto do modelo também chamava a atenção dos usuários e operadores. Logo em seguida, com o plano Sistran, de Olavo Setúbal, na capital paulista, surgira um novo conceito de trólebus. Mas, neste setor, o Gabriela tinha já dado sua contribuição.
Outra inovação, que só agora tem se tornado mais comum, é o de ônibus urbanos maiores, para linhas com mais lotação, com terceiro eixo, os chamados tribus, ou ônibus trucados.
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Ônibus urbanos de três eixos hoje são comuns. Mas na época do Gabriela, eram feitas adaptações. Era o sinal claro de que as cidades cresciam e precisavam de ônibus com maior capacidade.
Ônibus urbanos de três eixos hoje são comuns. Mas na época do Gabriela, eram feitas adaptações. Era o sinal claro de que as cidades cresciam e precisavam de ônibus com maior capacidade.
Nos anos 1970, não havia fabricação de chassis para urbanos nesse padrão. Mas alguns eram adaptados, e o CAIO Gabriela foi um dos modelos que acompanhou essa ideia, que mais tarde seria usada em maior escala nos serviços urbanos. Na maior parte das vezes com motorização traseira, era possível ver CAIO Gabriela de três eixos. Uma das empresas a usar esse tipo de ônibus, com carroceria Gabriela, foi a Redentor, do Rio de Janeiro.
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Em 1979, a Caio apresentava o Gabriela Expresso. A versão articulada tinha chassi Volvo e transportava em torno de 110 passageiros. Também havia modelos de dois eixos sobre chassis diferentes, como Volvo B 58 e Mercedes-Benz OH1517
Em 1979, a Caio apresentava o Gabriela Expresso. A versão articulada tinha chassi Volvo e transportava em torno de 110 passageiros. Também havia modelos de dois eixos sobre chassis diferentes, como Volvo B 58 e Mercedes-Benz OH1517
Sem dúvida, um dos maiores avanços dos transportes brasileiros, referência para os demais países, é o sistema de vias segregadas de ônibus expressos de Curitiba, no Paraná. Considerado o primeiro BRT (Bus Rapid Transit) do mundo, sendo inspiração para outros projetos semelhantes em diversos países, o sistema expresso de Curitiba foi projeto pelo então prefeito Jaime Lerner, arquiteto e urbanista, sendo inaugurado em 1974, com ônibus da Marcopolo. Porém, o Gabriela faz parte da história desse sistema exemplar. Em 1979, a CAIO lança o “Caio Gabriela Expresso”, com motor no meio, Volvo B 58 e com dimensões maiores. O modelo poderia transportar até 110 passageiros, e foi considerado um dos carros ideais para o serviço diferenciado.
O Gabriela fez parte de uma época em que a indústria de ônibus engatava uma marcha mais acelerada e começava a se redefinir, desenvolvendo conceitos ainda hoje empregados.
O simpático modelo da CAIO encarroçou diversos chassis de diferentes configurações. Apareceria aí uma gama de soluções antes pouco empregadas, e uma nova postura da indústria ia surgindo, que era a de atender os operadores de acordo com suas necessidades locais. Não se pode comparar os pavimentos de cidades como Curitiba e São Paulo com de regiões mais interioranas e com menores recursos. Assim, as indústrias ouviam mais atentamente os empresários e gestores públicos e começavam a adotar uma cultura de diversificar produtos atendendo as demandas locais. Claro que esse processo não se deu da noite por dia, mas o CAIO Gabriela contribuiu com ele.
Apesar de sua versatilidade e da oferta maior de opções, a grande maioria dos CAIO Gabriela foi encarroçada sobre chassi LPO 1111 e LPO 1113, da Mercedes-Benz, predominante no mercado, na época. O chassi tinha um preço atrativo e a robustez para atender diversos mercados, desde os de operação mais simples até os que exigiam mais esforços e até danificavam mais os veículos. A manutenção era fácil, com grande rede de peças de reposição. Outros modelos também foram usados sobre as plataformas desse tipo da Mercedes-Benz, mas profissionais mais antigos do setor diziam que, com o Gabriela, esses chassis tinham um casamento perfeito.
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Apesar de a grande maioria dos Caio Gabriela ser encaroçada sobre chassi Mercedes-Benz, outras mecânicas marcaram a história do modelo, como o Fiat 140 OD, que recebeu a primeira e a segunda versão do ônibus.
Apesar de a grande maioria dos Caio Gabriela ser encaroçada sobre chassi Mercedes-Benz, outras mecânicas marcaram a história do modelo, como o Fiat 140 OD, que recebeu a primeira e a segunda versão do ônibus.
Havia, entretanto, Gabriela com mecânica Mercedes-Benz de motor traseiro, além de Fiat, FNM, Scania, Volvo.
Itaipu
Em 1977, chegava ao mercado o Caio Itaipu, mais sofisticado e que era usado em trajetos mais longos
Em 1977, também chegava ao mercado o Caio Itaipu ou popularmente chamado Gabriela Itaipu ou Gabriela Intermunicipal. O modelo era derivado da versão básica, mas tinha como característica a frente rebaixada, para-brisa ampliado e a caixa do letreiro foi transferida para o interior do ônibus. A versão foi usado inclusive no transporte rodoviário.
Quanto ao produto em si, o CAIO Gabriela liderou por quase uma década o mercado de ônibus urbano. Proporcionou à encarroçadora a consolidação do primeiro lugar no setor, posto ocupado até hoje pela CAIO, com algumas oscilações em determinados períodos.
Em algumas cidades, quase 100% da frota urbana, de fato, era de Gabriela.
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O Gabriela teve uma versão para a América Latina. O Caio Gabriela Andino foi encaroçado em diversos chassis de caminhão, como da Mercedes-Benz, Ford e Dodge
O Gabriela teve uma versão para a América Latina. O Caio Gabriela Andino foi encaroçado em diversos chassis de caminhão, como da Mercedes-Benz, Ford e Dodge
O CAIO Gabriela também levou a marca brasileira para diversos lugares do mundo, principalmente para nossos vizinhos da América Latina: Argentina, Paraguai, Chile, entre outros, aproveitavam das vantagens do Gabriela. Algumas versões para o mercado latino americano eram denominadas de Gabriela Andino, que contavam com mecânicas como Mercedes-Benz Dodge e Ford. A dianteira era a usada pelos caminhões de cada fabricante, com o cofre do motor externo, lembrando uma jardineira.
Ainda para América Latina, o Caio Gabriela também foi adaptado em chassi Scania B111, como este exemplar, no Peru.
Ainda para América Latina, o Caio Gabriela também foi adaptado em chassi Scania B111, como este exemplar, no Peru.
Vantagens mesmo:
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Além de ser um veículo inovador, com linhas mais retas e maior área de envidraçamento, propiciando mais visibilidade, mais conforto, com uma melhor disposição do espaço interno, para a época, por reforços feitos em algumas partes da estrutura, o Gabriela foi um modelo muito resistente. Quer maior exemplo do que alguns ônibus que hoje transportam trabalhadores rurais em diversas regiões do país? Uma boa parte é de CAIO Gabriela, alguns com mais de 40 anos de uso, enfrentando canaviais, áreas de plantação, estradas de terra e até passagens em áreas alagadas de baixa profundidade.
Há muito do que se falar sobre o CAIO Gabriela, mas esta matéria procurou enfatizar o essencial e destacar sua importância histórica.
Não é demais a comparação: no mundo dos automóveis de passeio, o Fusca, pela sua simplicidade, versatilidade, número de vendas papel histórico, não foi um clássico? No mundo dos transportes coletivos brasileiros, o CAIO Gabriela não deixa de ser um clássico. Ele foi, sem dúvida, um divisor de águas do mercado, e tornou reais conceitos até hoje empregados, como a estrutura básica de seu encarroçamento.
Em 1980, deixava de ser produzido para ser sucedido pelo modelo Amélia. Mas sua resistência era tão grande que muitos ainda operavam firmes em linhas urbanas regulares nos anos 1990.
Bem resistente e de uma época onde não se estipulava idade máxima de frota, o Gabriela durava muito, como este modelo do final dos anos de 1970, que ainda circulava na Capital Paulista no início dos anos de 1990.
Bem resistente e de uma época onde não se estipulava idade máxima de frota, o Gabriela durava muito, como este modelo do final dos anos de 1970, que ainda circulava na Capital Paulista no início dos anos de 1990.
E claro que o setor de fabricação de ônibus no Brasil, que se tornou um dos mais respeitados do mundo, avançou muito, e, hoje, pelas novas necessidades dos centros urbanos, que pedem veículos de maior capacidade e mais acessibilidade, com tecnologias mais limpas, talvez não haveria espaço para o velho Gabriela. Mas ele deixou um legado irrevogável para que a indústria brasileira alcançasse esse respeito.
Fonte: Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Revista do Ônibus vol. 01 - julho 2016 - Marcopolo aposta em cinco novos modelos de ônibus Queda de 27% nas vendas até junho não desanima encarroçadora gaúcha, que complementa linha e crê em melhora do mercado no ano que vem

Novo Marcopolo Ideale - Bruno Freitas/EM/D.A Press

Caxias do Sul (RS) * – Confiança e expectativa de melhora do mercado em 2016 são as palavras que norteiam a Marcopolo em época de recessão. Apesar da queda de cerca de 27% nas vendas de ônibus de janeiro a junho, com previsão ainda maior até dezembro (30%) – até agora os financiamentos pendentes tem ajudado –, a encarroçadora gaúcha aposta em lançamentos para se manter competitiva e preencher nichos de mercado. Cinco novos ônibus estão sendo lançados em complemento à linha de urbanos e rodoviários. A principal novidade é a nova geração do rodoviário de fretamento e curta distância Ideale. Maior em largura e altura, o modelo incorpora design atualizado com poltronas mais confortáveis. Até então voltada ao México, a versão Paradiso 1350 da Geração 7 de rodoviários passa a ser vendida no Brasil, graças sobretudo à permissão de acréscimo de uma tonelada por eixo, diminuindo as chances de excesso de peso em balança. A nova família de urbanos Torino é completada com as versões motor traseiro, piso baixo (Low-Entry) e articulado (Express), estas duas últimas opções mais baratas voltadas a corredores exclusivos para ônibus que não possuem todas as características de um BRT.

Com a definição da renovação dos contratos de concessão de linhas interestaduais por autorização, pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Marcopolo espera retomar o número de pedidos de ônibus rodoviários no ano que vem. Somam-se à expectativa a renovação das frotas de ônibus urbanos em ano de eleições municipais e os investimentos do governo federal em estrutura aeroportuária.

Lançado em 2006 e situado abaixo do recém-lançado Audace, o Marcopolo Ideale passa por sua primeira grande mudança mantendo a essência da carroceria, com maiores dimensões: ficou 50mm mais largo (agora tem 2,55m) e mais alto (tinha 770mm de saia lateral; agora são 800mm). O design manteve as lentes óticas dos faróis e lanternas, porém com novo formato, grade do para-choque herdada do G7 e janela do motorista do novo Torino. O principal objetivo da Marcopolo ao compartilhar componentes entre modelos é tornar a linha de ônibus o mais intercambiável possível, diminuindo os custos de almoxarifado nas garagens. Na traseira os retrorrefletores (o popular olho de gato) foi deslocado para o para-choque. A porta de acesso passa a ser do tipo In-Swing que se abre para dentro do veículo, oferecendo maior segurança e funcionalidade. A configuração interna foi revista com maior espaço de circulação no corredor, com 375mm de largura, novas poltronas de 1.005mm de largura (15mm a mais que as anteriores), revestimentos e porta pacotes. No painel a mudança fica por conta do sistema operacional Multiplex sensível ao toque. As versões 600 e 770 do antigo Ideale permanecem em produção.

Marcopolo Paradiso 1350 - Bruno Freitas/EM/D.A PressMarcopolo Paradiso 1350


Opção intermediária entre os Paradiso 1200 e 1600 LD (Low Driver), o Paradiso 1350 retoma versão já oferecida na geração anterior (6) de rodoviários, com maior capacidade de transporte no bagageiro (19,57 metros cúbicos), própria para viagens de turismo e de compras. O lançamento aplica reestilização interna para a linha Paradiso, com novo toalete com menor vibração e calor oriundo do cofre do motor traseiro e filtro removível do ar-condicionado, que permite limpeza a cada viagem. A Marcopolo espera, com os aprimoramentos, eliminar falhas de qualidade que afetaram o início de fabricação da família Geração 7. Além disso, no 1350, o espaço nos porta pacotes foi ampliado (para 3,8 metros cúbicos) e o painel passou a ser fixo, sem comando satélite (outra inovação do G7). Desde o início da exportação em 2013, cerca de 100 unidades foram vendidas para o mercado mexicano e países vizinhos, como o Peru.

Família Torino completa

A Marcopolo completa ainda a nova família de urbanos do modelo Torino, lançada com o motor dianteiro em dezembro de 2013, com as versões motor traseiro, piso baixo (Low-Entry) e articulado (Express). As duas últimas são carrocerias mais baratas em relação aos modelos Viale BRS e Viale BRT, com design avançado e focados no transporte rápido por ônibus. “O objetivo é oferecer a melhor solução, de acordo com as características do seu negócio/serviço. Desde o Torino com motor dianteiro, o modelo de menores custos de aquisição e operação, até o Torino Express articulado, com capacidade para mais de 130 passageiros”, afirma o diretor de operações comerciais da Marcopolo, Paulo Corso. Por causa de legislação específica para ônibus de piso baixo, o Torino Low Entry vem com maior largura (2,60m), enquanto os demais mantém os 2,55m do motor dianteiro. Com a chegada das versões o Torino anterior (lançado em 2007) deixa de ser produzido.

Marcopolo por segmento
60% de participação nos ônibus rodoviários
38% urbanos
25% micro-ônibus

*O jornalista viajou a convite da Marcopolo

Marcopolo Torino motor traseiro - Bruno Freitas/EM/D.A PressMarcopolo Torino motor traseirofonte: Revista Vrumm

sábado, 23 de julho de 2016

Revista do Ônibus Edição 01 julho 2016


Segundo parecer do Cade, Marcopolo informou que Ciferal, empresa de sua propriedade, era concorrente. Incorporação, entretanto, continua válida.
Marcopolo produz urbanos na Marcopolo Rio, onde era a unidade da Ciferal.
Marcopolo produz urbanos na Marcopolo Rio, onde era a unidade da Ciferal.
A SG – Superintendência-Geral do Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão do Ministério da Justiça, aplicou multa de R$ 250 mil à Marcopolo e à Neobus por causa do processo de incorporação pelo qual a Marcopolo assumiu 100% da Neobus.
A incorporação total, que teve aval do Cade no dia 24 de maio de 2016, continua válida. A Marcopolo, que já tinha participação direta de 45% na Neobus, assumiu os 55% pertencentes à L&M Incorporadora Limitada. Pela transação autorizada, os sócios da L&M passam a deter uma participação minoritária, inferior a 3% da Marcopolo.
Detinham a L&M os empresários Edson Antônio Tomiello, titular de aproximadamente 96% do capital, e Adelir José Boschetti, titular de aproximadamente 4% do capital social.
A multa, entretanto, refere-se ao que a Superintendência classificou de “informação falsa” da Marcopolo no processo de análise da concentração de mercado.
Ainda segundo a SG do Cade, na primeira versão dos documentos apresentados pela Marcopolo, a Ciferal, empresa de sua propriedade desde 2001, foi colocada como concorrente no mercado de ônibus urbanos, como mostra o parecer do órgão ao qual o Blog Ponto de Ônibus teve acesso em primeira mão.
“A minuta de formulário Anexo I apresentou como pontos centrais a justificar a aprovação da operação (i) o patamar de concentração de mercado decorrente da operação, que segregava a participação atribuída à Marcopolo e a participação atribuída à Ciferal Indústria de Ônibus Ltda. (“Ciferal”); e (ii) a existência, no mercado, de rivais importantes, “dentre os quais destacam-se Ciferal, com cerca de 17% em 2014 e Induscar com cerca de 27% também em 2014. Assim, à primeira vista, a operação resultaria em patamares de concentração inferiores ou próximos a 20% em diversos mercados, além de contar com concorrentes de destaque, incluindo a Ciferal. […] Ocorre, todavia, que a Ciferal é inteiramente detida pela Marcopolo desde 2001. Não existe qualquer dúvida razoável de que a empresa faz parte do Grupo Marcopolo, e, portanto, não pode ser considerada um “concorrente” da Marcopolo nesse mercado. Também não existe qualquer dúvida razoável de que as Autuadas possuíam total conhecimento dessa informação. A informação prestada pelas Autuadas é incontroversamente falsa. Por meio da indicação de que a Ciferal seria concorrente da Marcopolo, as Autuadas não só diluíram de forma artificial a participação de mercado resultante da operação, como apresentaram uma tese falsa para aprovação da operação, pela existência de uma suposta rivalidade no mercado”.
A Marcopolo, então, retificou a informação prestada e confirmou a propriedade da Ciferal. No entanto, de acordo com o parecer do Cade, mesmo assim, a multa deve ser aplicada.
“As Autuadas responderam ao pedido de informações da SG apenas em 11.3.2016 (doc. nº 4 – acesso restrito às autuadas). Em sua resposta, as Autuadas retificaram a informação relativa à Ciferal, esclarecendo que “a Ciferal era uma joint venture entre a Marcopolo e a RJ Administração e Participações S.A. Em 2001 a Marcopolo passou a ser sua única acionista. Incluímos esse esclarecimento no formulário, e fizemos todos os ajustes e correções pertinentes”.
“O fato de a informação ter sido retificada pelas Autuadas antes da notificação formal do Ato de Concentração não impede a lavratura deste Auto de Infração”.
O parecer do corpo técnico do Cade teve aprovação do superintendente-geral do órgão Eduardo Frade Rodrigues e foi publicada no Diário Oficial da União.
“Nº 707. Ref.: Ato de Concentração. Requerentes: Marcopolo S.A e San Marino Ônibus e Implementos. Advogados.: Barbara Rosenberg e outros. Acolho o Parecer Técnico n° 6/2016/CGAA3/SGA1/SG/CADE, aprovado pelo Superintendente Adjunto, e, com fulcro no §1° do art. 50, da Lei n° 9.784/99, integro as suas razões à presente decisão, inclusive como sua motivação. Pelos fundamentos apontados no Parecer Técnico, concluo que as Requerentes incorreram na infração prevista no art. 43 da Lei n° 12.529/2011. Assim, nos termos do art. 13, V, da Lei n° 12.529/2011, e dos art. 24, V, e art. 163 do Regimento Interno do Cade, determino a lavratura de Auto de Infração, que, autuado em apartado juntamente com as cópias necessárias à comprovação da infração, constituirá peça inaugural de processo administrativo para imposição de sanções processuais incidentais (PI). Ficam intimadas as Requerentes ao pagamento da multa estabelecida no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) no prazo de 5 (cinco) dias contados da intimação da lavratura do auto de infração, nos termos do art. 165, II, “a” do Regimento Interno do Cade. As Requerentes poderão, no prazo de pagamento, opor impugnação ao Auto de Infração, nos termos do art. 166, do Regimento Interno do Cade. Ficam as Requerentes advertidas de que: (i) as intimações dos atos processuais serão efetivadas por meio do Diário Oficial da União; (ii) o débito apurado pelo descumprimento da multa poderá ser inscrito na Dívida Ativa do Cade; (iii) a aplicação da multa não prejudica a obtenção das informações, documentos, esclarecimentos orais ou por outros meios coercitivos admitidos em direito, nem exime o faltante das responsabilidades civil e criminal decorrentes. É o despacho. Intimem-se as Requerentes. EDUARDO FRADE RODRIGUES”.
A Marcopolo pode recorrer em cinco dias, mas a assessoria de imprensa da empresa informou ao Blog Ponto de Ônibus que a companhia não deve recorrer.

CONTEÚDO DO PARECER COMPLETO AO QUAL O BLOG PONTO DE ÔNIBUS TEVE ACESSO

INTRODUÇÃO
Este Parecer Técnico sugere a instauração de Processo Administrativo para Imposição de Sanções Processuais contra a Marcopolo S.A. (“Marcopolo”) e a San Marino Ônibus e Implementos Ltda. (“Neobus” e, conjuntamente com a Marcopolo, “Autuadas”), bem como a consequente lavratura de Auto de Infração, em razão da prestação de informação enganosa/falsa à Superintendência-Geral (“SG”), no curso das tratativas de pré-notificação do Ato de Concentração nº 08700.002084/2016-14.
O Ato de Concentração nº 08700.002084/2016-14 diz respeito à operação de incorporação da L&M Incorporadora Ltda. (“L&M”), detentora de 55% do capital social da Neobus, por parte da Marcopolo.
QUALIFICAÇÃO E ENDEREÇO DAS AUTUADAS
A Marcopolo é uma empresa brasileira que atua, principalmente, na indústria automobilística voltada ao transporte coletivo de passageiros, com especial foco na produção de carrocerias para ônibus. A Marcopolo tem sede na Avenida Marcopolo, 280, Bairro Planalto, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul e está inscrita sob o CNPJ nº 86.611.835/0001-29.
A Neobus também atua na indústria automobilística voltada ao transporte coletivo de passageiros, com especial foco na produção de carrocerias para ônibus. A Neobus tem sede na Rua Irmão Gildo Schiavo, 110, Bairro Ana Rech, Caxias do Sul, Rio Grande do Sul e está inscrita no CNPJ sob o nº 93.785.822/0001-06.
III. DESCRIÇÃO OBJETIVA DA INFRAÇÃO APURADA
III.1. Descrição da infração apurada
A análise da operação entre Marcopolo/Neobus teve início em 14.1.2016 (doc. nº 1 – acesso restrito às autuadas), quando os representantes legais das Autuadas enviaram à SG a minuta do formulário Anexo I (doc. nº 2 – acesso restrito às autuadas) e cópia do instrumento contratual que seria celebrado entre as partes. Como os representantes legais destacaram, a minuta estava em processo de revisão pelas partes, mas foi submetida ao Cade como um documento oficial. Os representantes legais afirmaram que, caso a minuta fosse considerada adequada como notificação completa, o protocolo formal seria realizado na sequência.
A minuta de formulário Anexo I apresentou como pontos centrais a justificar a aprovação da operação (i) o patamar de concentração de mercado decorrente da operação, que segregava a participação atribuída à Marcopolo e a participação atribuída à Ciferal Indústria de Ônibus Ltda. (“Ciferal”); e (ii) a existência, no mercado, de rivais importantes, “dentre os quais destacam-se Ciferal, com cerca de 17% em 2014 e Induscar com cerca de 27% também em 2014”:
Figura 1 – Minuta – formulário Anexo I (acesso restrito às Autuadas)
Assim, à primeira vista, a operação resultaria em patamares de concentração inferiores ou próximos a 20% em diversos mercados, além de contar com concorrentes de destaque, incluindo a Ciferal.
Ocorre, todavia, que a Ciferal é inteiramente detida pela Marcopolo desde 2001. Não existe qualquer dúvida razoável de que a empresa faz parte do Grupo Marcopolo, e, portanto, não pode ser considerada um “concorrente” da Marcopolo nesse mercado. Também não existe qualquer dúvida razoável de que as Autuadas possuíam total conhecimento dessa informação. A informação prestada pelas Autuadas é incontroversamente falsa. Por meio da indicação de que a Ciferal seria concorrente da Marcopolo, as Autuadas não só diluíram de forma artificial a participação de mercado resultante da operação, como apresentaram uma tese falsa para aprovação da operação, pela existência de uma suposta rivalidade no mercado.
Vale destacar que a existência de rivalidade inibe o exercício de poder de mercado por um determinado agente de mercado, conforme indicado no Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal expedido pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (“Seae”) e pela Secretaria de Direito Econômico (“SDE”). Portanto, a informação falsa prestada pelas Autuadas teria o condão de causar prejuízos à análise da operação por parte da SG e, possivelmente, ao mercado envolvido na operação, razão pela qual a lavratura deste Auto de Infração é plenamente justificada.
Finalmente, mencione-se que (i) não importa o elemento volitivo na análise da prestação de informações enganosas/falsas ao Cade; e (ii) trata-se de infração formal, consumada quando da apresentação de informações, documentos ou declarações enganosas/falsas ao Cade. Não é relevante se as informações efetivamente levam a autoridade ao erro. O bem jurídico tutelado é a higidez das informações, nos termos do artigo 43 da Lei nº 12.529/2011, sendo prescindível averiguar má-fé, exceto para a dosimetria da pena. É nesse sentido a jurisprudência do Cade:
O bem jurídico tutelado pelo tipo infracional contido no artigo 43 da Lei nº 12.529/2011 é a higidez das informações prestadas ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Com isso, pune-se a conduta de prestar informações falsas a esse Sistema em si, e não as possíveis consequências dessa conduta. Institui-se uma obrigação comportamental erga omnes de prestação (voluntária ou mediante requisição) das melhores e mais corretas informações ao SBDC, tal como se depreende da própria redação do artigo: (…)
O presente processo administrativo incidental destina-se a apurar e punir o descumprimento do dever de cuidado na prestação de informações ao CADE, não importando, para a sua configuração, a intenção daquele que tem o dever de informar ou os impactos da violação deste dever. Desta forma, não prospera o argumento de que a “omissão” na prestação de informação não impediu que o ato de concentração fosse aprovado sem restrições.
A multa aplicada pela autoridade antitruste em decorrência de infrações formais goza de total autonomia com relação ao resultado do julgamento a ser proferido por esse Conselho (…).
A relevância das consequências da prestação da informação falsa/enganosa na dosimetria da multa será analisada em momento oportuno. (…)
Como afirmado anteriormente, a infração do artigo 43 da Lei nº 12.529/2011 reverte-se de caráter ao máximo objetivo, razão pela qual não há qualquer referência a elementos subjetivos do tipo infracional. O que se pune é a conduta tomada isoladamente. (…)
A lei não condiciona o evento passível de punição a nenhum componente subjetivo, não se requer dolo ou má-fé para que seja configurara e, consequentemente punida, a prestação de informação falsa ou enganosa. Também não se há o que se falar em erro escusável ou qualquer tipo de análise de boa ou má-fé na prestação das informações. (…) Assim sendo, a alegação de boa-fé ou de ausência de dolo não poderia nunca afastar a caracterização da infração. (Auto de Infração nº 08700.003083/2013-36)
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Nós tivemos, ao longo da instrução deste caso de Casas Bahia, Ponto Frio e Companhia Brasileira de Distribuição, alguns eventos em que as informações prestadas pelas requerentes se mostraram equivocadas, sobretudo em um estudo de viabilidade de entrada. Esse equívoco foi percebido exclusivamente pelo meu gabinete e só depois que o gabinete percebeu o equívoco é que houve correção dele por parte das requerentes. É um equívoco que incidia em um ponto importante porque ele partia de uma informação errada acerca da metragem média de lojas de Ponto Frio, que no estudo das requerentes (que depois não foi usado) de viabilidade de entrada, tornava a entrada, pelos metros utilizados por eles, viável, numa série de municípios em que ela não seria se fosse utilizada a informação correta. Eu abri, então, um Auto de Infração por conta desse evento, e reiterei, como os senhores podem ver (eu não sei se ele já entrou ou não), um elemento que eu acho importante que é a absoluta desnecessidade de averiguar má-fé das partes na prestação de informação para que incida o dever de veracidade. Aliás, no caso, não há absolutamente nenhum indício de má-fé ou de tentativa de lograr a autoridade. Simplesmente o que houve é o fato objetivo da prestação de uma informação que não correspondia à realidade, que era ou devia ser de conhecimento da requerente (porque dizia respeito à metragem das suas próprias lojas). E eu entendo que este fato objetivo, se ele atrapalha a análise, pode chegar em outro resultado, deve ser objeto de punição e pode ser objeto de punição, nos termos da lei. (Manifestação do Conselheiro Marcos Paulo Veríssimo na 20ª Sessão Ordinária de Julgamento do Cade – 17.4.2013 – Disponível em: http://www.cade.gov.br/mp3/2013/julgamento/julg-20-parte02.mp3)
De qualquer modo, os documentos submetidos ao Cade indicam a existência de intenção de apresentar a informação falsa/enganosa, até porque a Ciferal foi expressamente apresentada como uma importante rival do Grupo Marcopolo. Ou seja, a informação a respeito da existência e do papel concorrencial da Ciferal na estrutura de mercado foi analisada e trabalhada pelas Autuadas, que elaboraram uma tese com base nesse falso pressuposto. Ainda que se admita, apenas por hipótese, a inexistência de má-fé, inescapável a presença no mínimo de culpa grave (negligência, imprudência ou imperícia) por parte das Autuadas.
Diante da incontroversa informação falsa, está claro que o Cade possui o poder/dever de lavrar este Auto de Infração e punir as Autuadas nos termos da Lei nº 12.529/2011.
III.2. Informação falsa/enganosa prestada durante o procedimento de pré-notificação
Como destacado acima, a informação falsa/enganosa foi prestada pelas Autuadas em fase de pré-notificação.
Ao analisar a minuta de Anexo I, esta SG notou o fato de a Ciferal ter sido considerada como um concorrente das Autuadas. Assim, enviou email aos representantes legais das Autuadas, em 18.1.2016, questionando esse aspecto das informações prestadas (doc. nº 3 – acesso restrito às autuadas).
As Autuadas responderam ao pedido de informações da SG apenas em 11.3.2016 (doc. nº 4 – acesso restrito às autuadas). Em sua resposta, as Autuadas retificaram a informação relativa à Ciferal, esclarecendo que “a Ciferal era uma joint venture entre a Marcopolo e a RJ Administração e Participações S.A. Em 2001 a Marcopolo passou a ser sua única acionista. Incluímos esse esclarecimento no formulário, e fizemos todos os ajustes e correções pertinentes”.
O fato de a informação ter sido retificada pelas Autuadas antes da notificação formal do Ato de Concentração não impede a lavratura deste Auto de Infração. O artigo 43 da Lei nº 12.529, de 30.11.2011, estabelece que:
Art. 43. A enganosidade ou a falsidade de informações, de documentos ou de declarações prestadas por qualquer pessoa ao Cade ou à Secretaria de Acompanhamento Econômico será punível com multa pecuniária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), de acordo com a gravidade dos fatos e a situação econômica do infrator, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.
Como se vê, o dispositivo legal é bastante amplo, indicando que quaisquer informações, documentos ou declarações prestadas ao Cade são puníveis com multa. Evidentemente, não é necessário que tais informações, documentos ou declarações sejam protocolizadas formalmente no Cade. A potencialidade de levar a autoridade ao erro existe desde o momento em que as Autuadas submetem uma informação ao Cade, que será avaliada e considerada pelo órgão em sua análise, por quaisquer meios ou formas.
Assim, o fato de o formulário Anexo I ter sido apresentado durante o procedimento de pré-notificação, como uma minuta, não exime as Autuadas de responsabilidade. Vale dizer: o procedimento de pré-notificação é oficial, estando inclusive previsto no artigo 114 do Regimento Interno do Cade.
A lógica contrária seria eximir os administrados de responsabilidade pela apresentação de informações enganosas/falas ao Cade durante o procedimento de pré-notificação, momento esse crucial na análise de um ato de concentração não-sumário. Mais ainda, seria um convite aos administrados para testar a checagem de fatos por parte da SG, e não um incentivo à prestação de informações verdadeiras e completas – como, quer crer a SG, deve ser o comportamento do administrado. Não é esse, e não pode ser esse, o objetivo da norma, que visa a resguardar a higidez das informações prestadas ao Cade.
Além disso, não há dúvida de que, neste caso, não fosse a observação da SG durante o procedimento de pré-notificação, a informação falsa/enganosa perduraria e constaria da notificação formal do Ato de Concentração. As Autuadas só retificaram a informação porque foram instadas a tanto pela SG.
INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL INFRINGIDO
Como visto, a falsidade/enganosidade das informações prestadas pelas Autuadas configura infração prevista no artigo 43 da Lei nº 12.529/2011:
Art. 43. A enganosidade ou a falsidade de informações, de documentos ou de declarações prestadas por qualquer pessoa ao Cade ou à Secretaria de Acompanhamento Econômico será punível com multa pecuniária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), de acordo com a gravidade dos fatos e a situação econômica do infrator, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.
ESPECIFICAÇÃO DO VALOR DA MULTA
V.1. Jurisprudência
V.1.1. Introdução
Antes de analisar as circunstâncias levadas em consideração pela SG para a dosimetria da penalidade aplicada às Autuadas, convém rever os precedentes nos quais o Cade entendeu por bem aplicar multas em razão da apresentação de informações falsas/enganosas, sob a égide da Lei nº 12.529/2011.
Destaque-se que os Autos de Infração nºs 08700.010047/2012-48, 08700.010912/2012-56 e 08700.004188/2013-02 foram lavrados pela SG, ao passo que os demais Autos de Infração indicados abaixo foram lavrados pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica.
V.1.2. Auto de Infração nº 08700.010047/2012-48 (Azul S.A. (“Azul”)/Trip Linhas Aéreas S.A. (“Trip”)) [1]
No Auto de Infração nº 08700.010047/2012-48, o Cade aplicou multa à Azul e à Trip no valor de R$ 3,5 milhões. De acordo com o despacho para a lavratura do auto de infração, as empresas Azul e Trip teriam afirmado, quando da apresentação do ato de concentração, que um determinado acordo de codeshare entre elas não teria se concretizado. Contudo, essa informação era falsa, pois o acordo foi concretizado e objeto de sucessivas alterações posteriores.
Na dosimetria da multa o Cade levou em consideração (a) a alta gravidade dos fatos, uma vez que a informação falsa apresentada poderia induzir as autoridades a uma decisão equivocada ao desconsiderar elemento crucial para a análise antitruste, sendo relevante que a operação foi aprovada mediante restrição, consubstanciada justamente na extinção do acordo de codeshare ocultado pelas partes; (b) a situação econômica das infratoras, sendo que a Trip obteve faturamento de (acesso restrito ao Cade) e a Azul obteve faturamento de (acesso restrito ao Cade), em 2011; (c) a inexistência de boa-fé; (d) a vantagem pretendida, pois a informação falsa poderia levar à aprovação da operação sem restrições; (e) a alta potencialidade lesiva da infração; (f) a inexistência de reincidência; e (g) a consumação da infração, que só foram retificadas mediante provocação da autoridade.
A multa aplicada pelo Cade representou (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto conjunto das autuadas.
V.1.3. Auto de Infração nº 08700.010912/2012-56 (Sotreq S.A. (“Sotreq”) e Marcosa S.A. – Máquinas e Equipamentos (“Marcosa”)) [2]
No Auto de Infração nº 08700. 010912/2012-56, o Cade aplicou multa à Sotreq e à Marcosa no valor de R$ 50.000,00. O Cade indicou que as empresas omitiram que comercializavam produtos de marcas diversas, o que poderia prejudicar a análise de mérito da operação.
Na dosimetria da multa aplicada, o Cade entendeu que (a) não seria razoável supor a boa-fé das empresas, já que a informação só foi corrigida mediante provocação da autoridade; (b) a infração foi consumada, considerando que as informações falsas foram efetivamente prestadas; (c) a infração seria de baixa gravidade, pois não se verificaram efeitos concorrenciais decorrentes da infração perpetrada, sendo a operação aprovada sem restrições pelo procedimento sumário; (d) ausência de vantagem auferida e pretendida pelos infratores, pois a informação não poderia trazer vantagem às partes; (e) ausência de lesão ou perigo de lesão à concorrência; (f) ausência de efeitos econômicos negativos; (g) ausência de reincidência; e (h) situação econômica das empresas, indicando que Sotreq obteve faturamento de (acesso restrito ao Cade) e a Marcosa auferiu cerca de (acesso restrito ao Cade), no Brasil, em 2011.
A multa aplicada pelo Cade representou (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto da Sotreq e (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto da Marcosa.
V.1.4. Auto de Infração nº 08700.004188/2013-02 (Cruzeiro do Sul Educacional S.A. (“Cruzeiro do Sul”) e ACEF S.A (“ACEF”)) [3]
No Auto de Infração nº 08700. 004188/2013-02, o Cade aplicou multa à Cruzeiro do Sul e à ACEF no valor de R$ 200.000,00. O Cade indicou que as empresas apresentaram informações equivocadas a respeito dos cursos por elas ofertados (inclusive cursos que gerariam sobreposição horizontal) e a respeito do número de alunos por curso.
Na dosimetria da multa aplicada, o Cade entendeu que (a) não seria razoável supor a boa-fé das empresas, já que a informação só foi corrigida mediante provocação da autoridade; (b) a infração foi consumada, considerando que as informações falsas foram efetivamente prestadas; (c) a infração seria de baixa gravidade, pois não se verificaram efeitos concorrenciais decorrentes da infração perpetrada, sendo a operação aprovada sem restrições pelo procedimento sumário; (d) ausência de vantagem auferida e pretendida pelos infratores, pois a informação não poderia trazer vantagem às partes; (e) ausência de lesão ou perigo de lesão à concorrência; (f) ausência de efeitos econômicos negativos; (g) ausência de reincidência; e (h) situação econômica das empresas, indicando que fundos que gerem a Cruzeiro do Sul obtiveram faturamento de (acesso restrito ao Cade) e a ACEF auferiu um faturamento de (acesso restrito ao Cade), no Brasil, em 2012.
A multa aplicada pelo Cade representou (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto dos fundos que gerem a Cruzeiro do Sul e (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto da ACEF.
V.1.5. Auto de Infração nº 08700.003617/2013-24 (ICE Inversiones Brazil S.L. (“ICE”)/Sociedade Educacional S.A. (“ISCP”))[4]
No Auto de Infração nº 08700.003617/2013-24, o Cade aplicou multa à ICE e à ISCP no valor de R$ 2 milhões. O Cade indicou que as empresas omitiram ou foram ao menos negligentes com as informações prestadas, no que tange aos acionistas das empresas.
Na dosimetria da multa aplicada, o Cade entendeu que (a) a gravidade da infração seria alta, pois a informação falsa inicialmente apresentada poderia induzir as autoridades a uma decisão equivocada, ao desconsiderar elemento crucial para a análise antitruste de formação de estruturas; (b) não seria razoável supor a boa-fé das empresas, já que a informação foi explicitamente omitida; (c) não se haveria de falar em retificação da informação, tendo em que vista que a informação só foi corrigida mediante provocação da autoridade; (d) a infração foi consumada, considerando que as informações falsas foram efetivamente prestadas; (e) não foi possível identificar se houve ou não efeitos econômicos negativos no mercado; (f) as empresas possuíam porte econômico considerável, tendo o Grupo Laureate, detentor da ISCP, registrado faturamento de (acesso restrito ao Cade) e a ISCP registrado faturamento de (acesso restrito ao Cade), no Brasil, em 2011; e (g) não houve registro de reincidência.
A multa aplicada pelo Cade representou (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto do Grupo Laureate e (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto da ISCP.
V.1.6. Auto de Infração nº 08700.007907/2013-47 (BR Malls Participações S.A. (“BR Malls”)/Brookfield Brasil Shopping Centers Ltda. (“Brookfield”))[5]
No Auto de Infração nº 08700.007907/2013-47, o Cade aplicou multa às empresas, no valor de R$ 4 milhões, em razão da apresentação reiterada de informação a respeito da participação em um dos shoppings que integram o mercado relevante da operação, localizado proximamente ao empreendimento alvo da operação. Essa informação poderia influenciar diretamente na existência de possível sobreposição no mercado relevante.
Para chegar ao valor da multa, o Cade considerou (a) a alta gravidade da infração, considerando a possibilidade de decisão equivocada em razão da falsa tranquilidade que adviria da informação prestada; (b) a reiteração da informação; (c) a vantagem auferida ou pretendida, que buscava tranquilizar a autoridade a respeito da operação; (d) a consumação da infração; (e) o grau ou perigo de lesão à concorrência e aos consumidores do mercado relevante específico; (f) a não identificação de efeitos econômicos negativos; (g) a inexistência de reincidência; (h) a situação econômica das empresas, considerando que o Grupo BR Malls obteve faturamento de (acesso restrito ao Cade); a Brookfield registrou faturamento de (acesso restrito ao Cade); e o Grupo Brookfield registrou faturamento de (acesso restrito ao Cade), no Brasil, em 2011.
A multa aplicada pelo Cade representou (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto da BR Malls; (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto do Grupo Brookfield; e (acesso restrito ao Cade) do faturamento conjunto das empresas.
V.1.7. Auto de Infração nº 08700.003083/2013-36 (Rossi Residencial S.A. – “Rossi”)[6]
No Auto de Infração nº 08700.003083/2013-36, o Cade aplicou multa à Rossi no valor de R$ 2 milhões. Naquele caso, a Rossi afirmou que não possuía atividade na Região Nordeste previamente à constituição da joint ventureNorcon, mas tal informação não era verdadeira. Tal informação impactava diretamente a análise da operação, tendo em vista que eliminaria a existência da sobreposição horizontal que foi, ao fim, verificada. Além disso, a Rossi teria apresentado diversas informações contraditórias nos autos, prejudicando a análise do ato de concentração.
Na dosimetria da multa aplicada, o Cade levou em consideração (a) a alta gravidade dos fatos em razão da elevada potencialidade lesiva das informações enganosas prestadas, que conduziam a análise antitruste à constatação de ausência de sobreposição horizontal decorrente da operação; (b) o fato de as informações terem sido prestadas no início da instrução, momento no qual se determina o rito pelo qual será processado o ato de concentração e do qual dependerão a profundidade e intensidade da investigação; (c) que a autuada pleiteou a análise da operação pelo procedimento sumário; (d) a situação econômica do infrator, que gerou faturamento bruto de (acesso restrito ao Cade) em 2011; (e) a inexistência de boa-fé; (f) a vantagem pretendida, de obter a análise da operação pelo procedimento sumário; (g) a alta potencialidade lesiva da infração; (h) a inexistência de efeitos econômicos negativos ao mercado; (i) a inexistência de reincidência; e (j) a consumação da infração, que só foram retificadas mediante provocação da autoridade e geraram o desperdício de recursos públicos.
A multa aplicada pelo Cade representou (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto da autuada.
V.1.8. Auto de Infração nº 08700.005450/2013-36 (Anhanguera)[7]
No Auto de Infração nº 08700.005450/2013-36, o Cade aplicou multa à Anhanguera no valor de R$ 1 milhão. A Anhanguera teria omitido a participação simultânea da Sra. Ângela Regina Rodrigues no conselho da Anhanguera Participações S/A e na direção da instituição de ensino Anhembi Morumbi.
Na dosimetria da multa aplicada, o Cade levou em consideração, principalmente, (a) a gravidade dos fatos, considerada alta porque a informação teria sido falseada com a intenção de desconectar duas concorrentes que estavam sob a mesma estratégia; (b) a pretendida obtenção de vantagem pela Anhanguera, pois caso aceita a informação, o Cade poderia afastar a necessidade de soma da participação das duas empresas; (c) o fato de que a análise empreendida no AC Anhanguera-Anchieta não teria demonstrado a existência de sobreposição horizontal entre Anhembi-Morumbi e a Anhanguera nos mercados relevantes que foram levados em consideração, razão pela qual a informação não teria o condão de alterar a decisão da autoridade; e (d) a situação econômica do infrator (a Anhanguera gerou faturamento bruto de (acesso restrito ao Cade) e o Grupo Anhanguera registrou faturamento bruto de R$ (acesso restrito ao Cade), em 2011.
A multa aplicada pelo Cade representou (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto da Anhanguera e (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto do Grupo Anhanguera.
V.1.9. Auto de Infração nº 08700.005451/2013-80 (Anhanguera II)[8]
No Auto de Infração nº 08700.005451/2013-80, o Cade aplicou multa à Anhanguera no valor de R$ 500 mil. A Anhanguera teria apresentado quadro societário no qual o núcleo de comando da empresa não estaria claro. A Anhanguera também teria ocultada a relação existente entre a empresa e o Anhembi, reduzindo assim o impacto concorrencial decorrente da operação. Além disso, a empresa teria ocultado o Acordo de Acionistas entre as empresas e atribuído a acionista participação societária dez vezes inferior à que ele possuía de verdade.
Na dosimetria da multa aplicada, o Cade levou em consideração (a) a gravidade dos fatos, que, de acordo com o posicionamento da Conselheira Ana Frazão[9], não seria capaz de alterar de forma definitiva o rumo da investigação, não afetando a decisão final de mérito; (b) a inexistência de prova de dolo da autuada em ocultar deliberadamente as informações; (c) a situação econômica do infrator (a Anhanguera gerou faturamento bruto de (acesso restrito ao Cade) e o Grupo Anhanguera registrou faturamento bruto de (acesso restrito ao Cade), em 2011); (d) a inexistência de boa-fé; (e) a vantagem pretendida, de levar à conclusão de que o grau de concentração da operação seria menor; (f) a potencialidade lesiva da infração; (g) a inexistência de efeitos econômicos negativos ao mercado; e (j) a consumação da infração, já que as informações falsas só foram retificadas em razão de diligências da autoridade, trazendo perigo de lesão à livre concorrência e desperdício de recursos públicos.
A multa aplicada pelo Cade representou (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto da Anhanguera e (acesso restrito ao Cade) do faturamento bruto do Grupo Anhanguera.
V.1.10. Outros precedentes
Diga-se, por fim, que o Cade aplicou (i) multa de R$ 15.000,00 à Associação Brasileira de Empresas Importadoras e Fabricantes de Aço (“Abrifa”) (Auto de Infração nº 08700.003922/2015-88[10]), mas se tratava de uma associação sem fins lucrativos; e (ii) multa de R$ 250 mil à Proforte S.A. Transporte de Valores (Auto de Infração nº 08700.002840/2014-35[11]; e (iii) multa de R$ 60.000,00 à Inox-Tech Comércio de Aços Inoxidáveis (Auto de Infração nº 08700.006456/2014-01).
Contudo, esta SG entende que os parâmetros utilizados em tais casos, referentes a condutas anticoncorrenciais, não são adequados para a dosimetria da multa a ser aplicada nesta hipótese, tendo em vista as diferenças substanciais existentes entre o controle preventivo e repressivo exercido pelo Cade, inclusive no que tange à colaboração das empresas e prazos de análise.
V.2. Parâmetros legais e circunstâncias do caso
O artigo 45 da Lei 12.529/2011, estabelece os seguintes parâmetros para a aplicação de penalidades:
Art. 45. Na aplicação das penas estabelecidas nesta Lei, levar-se-á em consideração:
I – a gravidade da infração;
II – a boa-fé do infrator;
III – a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;
IV – a consumação ou não da infração;
V – o grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros;
VI – os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado;
VII – a situação econômica do infrator; e
VIII – a reincidência.
Também o Regimento Interno do Cade (artigo 165, II, “a”) estabelece que, do Auto de Infração que verse sobre as infrações previstas no artigo 43 da Lei nº 12.529/2011, deve constar especificação do valor da multa definida pela autoridade competente quantificada com base nos critérios estabelecidos no artigo 45 da Lei nº 12.529/2011.
Neste caso, esta SG considera a infração grave (inciso I do artigo 45). As informações prestadas pelas partes e pelo mercado em um ato de concentração são os principais insumos utilizados para a análise da operação. Assim, a confiança da SG em tais informações é de crucial importância para que a análise seja realizada de forma correta, conforme já decidiu o Cade:
Obviamente, não é possível que todas as informações e dados prestados pelas Requerentes no âmbito de um ato de concentração sejam objeto de verificação e contrachecagem por parte do Cade. Tal procedimento representaria enorme desperdício de recursos públicos e traria consideráveis atrasos para o julgamento dos atos de concentração, ferindo ao mesmo tempo o interesse público e o privado existentes na construção de um sistema eficiente e célere de controle antitruste de estruturas. (Despacho RMR 32/2013 – Instauração do Auto de Infração nº 08700.003083/2013-36 – Ato de Concentração nº 08700.011105/2012-51)
É dever do administrado submeter informações verdadeiras e corretas ao Cade. No caso, é grave que a informação prestada tenha sido objetivamente tão distante da situação real, assim como é grave que a informação versasse, justamente, sobre um dos principais elementos de análise concorrencial, qual seja, a existência ou não de rivalidade no mercado.
Além disso, a infração foi consumada (inciso IV do artigo 45) e é possível inferir que as Autuadas poderiam obter vantagem por meio da conduta realizada (inciso III do artigo 45), pois os efeitos concorrenciais da operação seriam significativamente menos preocupantes se a Ciferal fosse um concorrente efetivo das Autuadas, fato afirmado de forma contundente pelas Autuadas.
Todavia, também deve ser levado em consideração que, ao final da análise, a operação foi aprovada sem restrições, o que indica que o grau de lesão ou perigo de lesão à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores ou a terceiros era baixo (inciso V do artigo 45).
No que tange à boa-fé das Autuadas (inciso II do artigo 45), esta SG entende que esse fator foi inexistente ou, no mínimo, neutro. Admitindo por hipótese que as Autuadas não tenham agido com dolo – o que, como visto, não é necessário para a consumação da infração -, certamente houve culpa grave (negligência, imprudência ou imperícia). Ademais, a falta não foi alertada e retificada por iniciativa das Autuadas, mas sim mediante questionamento da autoridade pública. Não fosse esse questionamento, provavelmente a informação falsa teria prevalecido.
Como fator atenuante, constata-se que, na minuta de formulário Anexo I, as Autuadas indicaram a empresa Ciferal como uma empresa controlada pela Marcopolo. Essa informação deixa ainda mais evidente a falsidade e contradição da afirmação de que a Ciferal atuaria como rival do Grupo Marcopolo, mas também facilitou a identificação da incongruência nas informações prestadas pelas Autuadas:
Figura 2 – Minuta – formulário Anexo I (acesso restrito ao Cade)
Fonte: Autuadas (doc. nº 2) – Destaque em amarelo: SG
Se (evidentemente) não eximem sua responsabilidade[12], o fato de as Autuadas terem indicado uma relação da Marcopolo e da Ciferal permitiu que a SG inquirisse esse ponto especificamente, o que levou à retificação da informação enganosa/falsa. Contudo, não é possível dizer que a retificação ocorreria se a SG não tivesse solicitado esclarecimentos a esse respeito.
Diga-se, por fim, que (i) não houve efeitos econômicos negativos produzidos no mercado (inciso VI), tendo em vista inclusive que a operação foi aprovada sem restrições pelo Cade; (ii) a Marcopolo possui situação econômica robusta, tendo a empresa gerado faturamento bruto de (acesso restrito às autuadas) e o Grupo gerado faturamento bruto de (acesso restrito às autuadas), no Brasil, em 2014 (inciso VII do artigo 45); (iii) a Neobus registrou faturamento de(acesso restrito às autuadas), no Brasil, em 2014; e (iii) não houve reincidência.
V.3. Conclusão
Nos atos de concentração anteriores em que houve imposição de penalidade por apresentação de informação falsa/enganosa, as multas variaram significativamente, de (acesso restrito ao Cade) a (acesso restrito ao Cade) do faturamento da(s) empresa(s) autuada(s).
A SG entende que as multas aplicadas nos Autos de Infração nºs 08700.010912/2012-56 e 08700.004188/2013-02 não servem como parâmetro para mensurar a multa a ser aplicada neste caso, tendo em vista que os dois casos trataram de operação com baixo potencial danoso à concorrência, conforme explicitamente reconhecido nos despachos de instauração dos Autos de Infração. Em ambos, a gravidade da infração foi considerada baixa. De qualquer forma, os percentuais das multas aplicadas nos dois casos variaram bastante e não serviriam como parâmetro para a dosimetria da penalidade a ser aplicada neste caso.
Dentre os demais, o auto de infração em que a falsidade/enganosidade poderia gerar o maior impacto concorrencial talvez tenha sido o Auto de Infração nº 08700.010047/2012-48 (Azul/Trip). A multa aplicada naquele caso representou (acesso restrito ao Cade) do faturamento conjunto das autuadas. Este caso, contudo, possui diferenças significativas em relação ao Auto de Infração nº 08700.010047/2012-48 (Azul/Trip), inclusive o fato de que esta operação foi aprovada sem restrições[13], para além do fato de que, no Ato de Concentração Azul/Trip, a informação falsa teve papel crucial na fundamentação e no remédio aplicado ao final do caso.
Este caso também é distinto do Auto de Infração nº 08700.003083/2013-36 (Rossi), que foi apresentado pelo procedimento sumário e a informação falsa/enganosa eliminava completamente qualquer sobreposição horizontal entre as partes.
Na verdade, este caso aproxima-se mais do Auto de Infração nº 08700.005451/2013-80 (Anhanguera II), considerando que é provável a hipótese de que o teste de mercado normalmente conduzido pela SG para atos de concentração analisados sob o procedimento não-sumário revelaria a relação da Ciferal e da Marcopolo, se a SG não tivesse solicitado essa informação espontaneamente. Em tal hipótese, a decisão final de mérito não seria afetada. Assim, esta SG entende que, para a dosimetria da multa, é factível partir do percentual de (acesso restrito ao Cade), aplicado naquele caso.
Além disso, deve a SG sopesar (i) o fato de a falsidade/enganosidade ter sido cometida durante o procedimento de pré-notificação (sendo a autuação nessa fase inédita); e (ii) que algumas informações prestadas pelas próprias Autuadas no Anexo I permitiram a pronta identificação da incongruência entre a indicação da Ciferal como parte do Grupo Marcopolo e, ao mesmo tempo, rival das Autuadas. Tendo em vista essas características, esta SG entende que a aplicação de multa no valor de R$ 250.000,00 é proporcional e cumpre o seu caráter dissuasório. Essa multa equivale a cerca de (acesso restrito às autuadas) do faturamento bruto do Grupo Marcopolo, sendo, portanto, (acesso restrito ao Cade).
Deve-se destacar, todavia, que a aplicação da multa nesse patamar ocorre, também, em razão do ineditismo da aplicação de multa durante o procedimento de pré-notificação. Esta SG entende que casos subsequentes podem ser multados em patamares superiores, tendo em vista a gravidade da infração.
RECOMENDAÇÕES
Diante do exposto, recomenda-se:
a lavratura de auto de infração que, autuado em apartado juntamente com as cópias necessárias à comprovação da infração, constituirá peça inaugural de Processo Administrativo para Imposição de Sanções Processuais Incidentais (PI), nos termos do artigo 163 do Regimento Interno do Cade;
que as Autuadas sejam intimadas ao pagamento da multa no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), no prazo de 5 (cinco) dias contados da intimação da lavratura do auto de infração, nos termos do artigo 165, II, “a” do Regimento Interno do Cade;
que as Autuadas sejam advertidas de que poderão, no prazo de pagamento, opor impugnação ao presente Auto de Infração, nos termos do artigo 166, do Regimento Interno do Cade;
as Autuadas são advertidas de que:
as intimações dos atos processuais serão efetivadas por meio do Diário Oficial da União;
o débito apurado pelo descumprimento da multa poderá ser inscrito na Dívida Ativa do Cade; e
a aplicação da multa não prejudica a obtenção das informações, documentos, esclarecimentos orais ou por outros meios coercitivos admitidos em direito, nem exime o faltante das responsabilidades civil e criminal decorrentes.
Estas as conclusões. Encaminhe-se ao Sr. Superintendente-Geral.